domingo, 15 de setembro de 2013

BUROCRACIA IMPEDE VINDA DE MÉDICOS ESTRANGEIROS.


Auxiliar de enfermagem mede a pressão de uma paciente no Posto Tamanduá, em Passira, na última quinta-feira. Não havia médicos no posto
Foto: O Globo / Hans von Manteuffel
Auxiliar de enfermagem mede a pressão de uma paciente no Posto Tamanduá, em Passira, na última quinta-feira. Não havia médicos no postoL
RIO, RECIFE, TERESINA, FORTALEZA E SÃO PAULO - Batalhas judiciais nos estados e a exigência de documentos adicionais pelos Conselhos Regionais de Medicina (CRMs) devem atrasar ainda mais a entrada dos estrangeiros no programa Mais Médicos, já adiado para o dia 23. Há casos de conselhos, como os do Espírito Santo e do Amazonas, que se recusam a fornecer o registro provisório enquanto não houver decisão da Justiça. Para completar, o Ministério da Saúde não entregou a documentação de parte dos profissionais. Como os órgãos têm 15 dias para emitir a licença de trabalho, os médicos já não conseguiriam começar a atender no prazo previsto. Em 14 estados pesquisados pelo GLOBO, ainda não há ninguém com o registro em mãos.
A Medida Provisória 621, que criou o programa, exige dos profissionais estrangeiros ou brasileiros formados no exterior três documentos para a retirada do registro: diploma, habilitação para o exercício da medicina do país de origem e atestado de domínio da língua portuguesa. Eles estão dispensados do exame de revalidação do diploma, o Revalida. Apesar disso, o Conselho Federal de Medicina (CFM) e os conselhos regionais entendem que é fundamental a apresentação do nome do tutor e supervisor responsáveis por cada médico, além de cidade e unidade de saúde onde vão atuar. Por isso não estão concedendo os registros. Até a última quarta-feira, 457 solicitações de registros foram encaminhadas aos conselhos. Mas os médicos selecionados somam 682.
De acordo com o CFM, caso o Ministério da Saúde não entregue os documentos exigidos pelos conselhos, haverá uma “briga desnecessária”:
— Se o ministério negar, vamos ao Judiciário mais uma vez, que é um dever nosso; estamos protegendo a população. Queremos saber o local e os corresponsáveis. Não posso fiscalizar alguém que não sei onde trabalha. Se eles nos entregarem isso, está resolvido. Se não, será uma briga desnecessária. Se atrasar, é por incompetência desse governo, porque nunca houve pressa. O governo deixou o serviço público virar um caos, então ele que faça as coisas de maneira competente. Não temos nenhuma pressa — disse Roberto Luiz d’Avila, presidente do CFM.
O governo está ciente de que os conselhos vêm exigindo documentação extra e admite que a judicialização pode atrasar o andamento do cronograma.
— Se os CRMs começarem a buscar outros requisitos para o fornecimento (do registro), além dos que estão na MP, eventualmente vamos ter que entrar com ações — afirmou o procurador-geral da União, Paulo Kuhn. — Estamos trabalhando para evitar esses atrasos. Decisões judiciais podem nos atrasar, mas até agora o cenário é muito positivo. O judiciário está entendendo pela regularidade do programa — completou.
Ação sobre registro provisório em 24 estados
O governo enfrenta 66 ações relativas ao Mais Médicos. Ao todo, 28 tratam sobre a concessão do registro provisório, sendo que elas foram interpostas por CRMs de 24 estados (as exceções foram Maranhão e Roraima) e pelo Distrito Federal. A Advocacia-Geral da União (AGU) obteve vitória em 14 estados: Pernambuco, Rio Grande do Sul, Rio, Santa Catarina, Paraná, Minas, Paraíba, Sergipe, Bahia, Pará, Ceará, Mato Grosso, São Paulo, Goiás, além do Distrito Federal. Falta vencer em outros dez.
Espírito Santo e Amazonas, cujas ações estão pendentes, não darão registros enquanto não sair a decisão judicial. No Amazonas, o órgão tem recebido a documentação, mas não vai conceder a licença até que se resolva o imbróglio. Já o conselho capixaba se negou a protocolar o pedido dos dois estrangeiros que atuarão no estado. O presidente do CRM-ES, Aluizio Faria de Souza, questiona a constitucionalidade da MP, que não exige o Revalida:
— Meu entendimento é que ela é uma medida demagógica e eleitoreira, porque fere a Constituição em vários aspectos. O gestor público não é obrigado a cumprir leis que tenham vícios. Enquanto não houver manifestação da Justiça, não serão registrados médicos sem Revalida.
Fora as pendências judiciais e as exigências dos conselhos, há ainda problemas com a documentação já entregue. No Rio Grande do Norte, Rio e São Paulo, as entidades médicas reclamam de ter recebido apenas cópias, e não os diplomas originais. O conselho paulista afirmou que vários documentos apresentavam problemas, como diplomas sem a tradução adequada.
O procurador regional da União da 3ª Região, Tércio Issani Tokano, admite que é possível que seis médicos não comecem a trabalhar em São Paulo no dia 23, já que há documentos que sequer chegaram ao conselho regional. Anteontem, Tokano se reuniu com o CRM para esclarecer supostos problemas com a documentação:
— A Medida Provisória do Mais Médicos dispensa a necessidade dos conselhos obterem o diploma original dos médicos e a tradução juramentada. Podem ser tradução e cópia simples.
Em Mato Grosso do Sul, onde são esperados 13 médicos de fora, ainda não houve nenhum pedido de registro. Já no Acre, de 34 profissionais aguardados, apenas duas cubanas deram entrada na documentação. Rio Branco é o município que mais receberá estrangeiros, 15 no total. O ministério espera resultados dos testes feitos no treinamento para fazer os outros pedidos.
Alheios aos trâmites burocráticos, moradores aguardam os novos médicos. Em Passira, a cem quilômetros de Recife, chegarão três cubanos.
— Reclamação aqui por falta de médico é geral. O descaso é grande — diz José Francisco Firmino da Silva, de 56 anos.
Na quinta-feira, O GLOBO visitou a unidade de Tamanduá, na zona rural, onde não havia médicos. Uma auxiliar de enfermagem estava no posto, tirando a pressão de pacientes.
No Ceará, apesar de o Centro de Saúde Dr. Francisco Odeon, em Marco, contar com cinco salas de atendimento, apenas em uma havia médico na tarde de quarta. Mesmo doente, o médico Airton Osterne, de 83 anos, não deixava de trabalhar. A cidade aguarda o início do trabalho de três estrangeiros.
— Ontem, eu fiz uma tomografia. O médico queria me dar um atestado, mas disse a ele que tinha muita gente me esperando — afirmou Osterne.
Em Barras, a 122 quilômetros de Teresina, pacientes esperam há um ano por médico.
— Estou com mais de um ano vindo ao posto. Marcavam a consulta, e o doutor não vinha. Cansei — disse Francisco Machado, de 51 anos, com problemas na coluna.
O município também tem problemas de infraestrutura. A agricultora Albertiza Brito, de 53 anos, tinha que fazer um exame para saber se tem ou não câncer do colo do útero:
— Não durmo com medo de ter câncer.
Colaboraram: Letícia Lins, Marcelle Ribeiro, Janayde Gonçalves e Efrém Ribeir


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