sábado, 16 de abril de 2016

O POVO BRASILEIRO ESTÁ CANSADO DE BRIGAR

Cármen Lúcia estaria sozinha na casa branca e imaculada no Lago Sul de Brasília, não fossem os processos que estuda, não fosse a fé que a acompanha. Essa juíza mineira de 61 anos não tem empregada, nunca se casou, não tem namorado há alguns anos porque trabalha demais, adora os 18 sobrinhos e os nove sobrinhos-netos. É uma mulher casada com o Direito e com suas causas. Uma delas é a paz institucional no Brasil, carente de líderes que desestimulem rixas e ódio: "Não sei o que pacifica o Brasil hoje. Talvez meu desassossego seja esse", disse, na casa com tábuas corridas de madeira que lembram sua Minas Gerais, sob um pé direito altíssimo e telhas de fazenda. 'Carminha', como as irmãs a chamam, de camisa social de seda e calças largas, mostra orgulhosa as roseiras em flor que ela mesma plantou, sem estudar jardinagem. Na borda da piscina, brilha uma pedra imensa de cristal rosa, de Cristalina, perto de Brasília. Os poucos objetos têm muito a ver com sua história. Fotos da família grande, da mãe com quem se parece muito, do pai que tem hoje 97 anos e a quem é muito apegada. Um quadro pequeno retrata o Rio São Francisco. Vejo Jesus no crucifixo junto à porta, a escultura da santa pintada à mão, um cálice de comunhão, o desenho do rosto de Cristo com a sua coroa de espinhos, a toalha bordada com Nossa Senhora das Graças estendida sobre a cama com uma bíblia. Sua fé explica muitos de seus gestos e votos. Cármen se interessa genuinamente pelos desfavorecidos, defende as mulheres e admira os jovens. Sem maquiagem e sem esmalte, os cabelos prateados e naturais, a juíza assa um tabuleiro de pães de queijo e prepara, ela mesma, um gnocchi al pomodoro, seguido de pudim de leite e goiabada cascão com queijo da serra, ao som de Charles Aznavour e Edith Piaf. Ela completa agora em maio 10 anos de Supremo Tribunal Federal e, a partir de setembro, presidirá o STF e o Conselho Nacional de Justiça. "O brasileiro está muito raivoso, muito intolerante, sem conseguir ver ou ouvir o outro", diz Cármen. "O papel das lideranças é apelar ao entendimento e fazer a travessia que leve ao encontro. Um povo não pode ficar muito tempo flutuando, sem saber para que lado vai".
Ministra Carmen Lúcia. (Foto: Diego Bressani/ Epoca)

Nenhum comentário:

Postar um comentário